sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

K-9, Um Policial Bom Pra Cachorro (Rod Daniel, 1989)



Os filmes policiais são divididos em alguns subgêneros que deram muito certo no cinema, como os policiais de suspense (Seven, O Silêncio dos Inocentes), os investigativos (A Promessa, Beijos que Matam) os noir (O Falcão Maltês, Chinatown) os buddy cops (Tango & Cash, Inferno Vermelho), e talvez um dos mais populares dos anos 80 e 90: os buddy dog cops, obras policiais que envolviam a mesma estrutura de um bud cop tradicional sério, mas trocando um parceiro humano, por um parceiro cachorro. E dentro desse subgrupo onde Tom Hanks e até mesmo Chuck Norris já se enveredaram, existiu aquele que será lembrado como o exponencial máximo e o mais representativo dentro do filão: K-9, Um Policial Bom pra Cachorro.

Dirigido com muita competência por Rod Daniel, o filme já abre com uma introdução típica dos policiais dos anos 80; apresentando o protagonista e uma tentativa de assassinato – ainda que com resvalos de humor -, logo nos seus primeiros segundos. E é nítida a influência que Rod Daniel captou de diretores como Walter Hill e Richard Donner; não por acaso, cineastas que criaram obras-primas do cinema Buddy Cop. A trilha incidental já na abertura do filme, remete imediatamente à “48hrs”, e as paisagens urbanamente solares da Califórnia, nos coloca diante das fotografias de “Máquina Mortífera”. Ainda que seja um honesto policial de comédia, fica claro que Daniel enxertou elementos clássicos dessas duas supracitadas obras... inclusive, obedecendo ainda mais à cartilha dos policiais que são obrigados a trabalharem juntos mesmo sob conflitos. E aqui, esse inicial atrito se torna ainda mais natural, já que estamos falando de duas espécies completamente diferentes de policiais: um homem e um cão.

A narrativa é esperta em deixar o ultra carismático James Belushi brilhar em 15 minutos de projeção, pra só depois nos apresentar o seu inusitado parceiro canino. Vale lembrar que Belushi estava no auge de sua filmografia, e toda a sua verve irônica funciona perfeitamente na pele de um tira debochado como Michael Dooley. Há momentos, como a entrada dele no Departamento até a sala do Chefe, incluindo aí a discussão com seu superior, que nos direciona a todo aquele clima farsesco e cínico dos trabalhos de Eddie Murphy, como “Um Tira da Pesada”, por exemplo. A metralhadora divertidamente verbal de Belushi, se aproxima de caras como Murphy, e até de Bruce Willis, no início de carreira. Basta perceber o tanto de sarcasmo existente em cada palavra juntada aos trejeitos físicos e faciais do ator. Sua performance debochada é inegavelmente irresistível.

O clima divertido que o filme já possui, muito assegurado por todo o tom que Belushi passa, se fortalece ainda mais quando o pastor alemão Jerry Lee (nome do cachorro na vida real também) entra em cena. E parece que o diretor Ron Daniel, propositalmente, faz a brincadeira ficar ainda mais conectada... o cachorro Jerry Lee é entregue à Dooley pelo personagem Brannigan, um policial da Divisão Canina interpretado por ninguém menos que Ed O’Neill; um dos comediantes mais fantásticos dos anos 80. Talvez, os fãs assíduos da série “Um Amor de Família”, o conheça como o mitológico Al Bundy. Estava iniciado, à partir daquele momento, o espetáculo que a narrativa oferecia.

Michael Dooley e Jerry Lee se transformam numa daquelas duplas que, entre picuinhas e rixas, vão notoriamente conquistando o espectador; não tem como deixar de rir quando Dooley tenta a todo custo, e em vão, fazer com que Jerry Lee fique no banco de trás do carro como todo cachorro comum. Acontece que Lee não era um cachorro comum. Assim como o personagem de Belushi, o cão apresentava o mesmo tipo de personalidade, e justamente por isso, era tão delicioso acompanhar os dois temperamentais personagens se chocarem. E a direção de Daniel é certeira nos closes do animal, e em seus sons característicos que em muitas horas, lembravam claramente resmungos e discordâncias. Há uma sequência, inclusive, que Dooley leva seu conversível a um Lava-jato com Jerry dentro, para dar banho ao animal. A “resposta” do cão não poderia ser mais apropriada ao seu gênio: todo molhado, e visivelmente irritado, ele arranca à dentadas o rádio do automóvel de Dooley. Passagens como essa, estão em quase todo o filme, mas encaixadas de forma nunca gratuita e dando ainda mais dinamismo e fluência ao relacionamento dos dois protagonistas.

Mas destaco aqui, a cena que fica óbvia, o começo da forte parceria da dupla: ao entrar em um boteco barra-pesada para encontrar um informante, Dooley é pego por uns marginais e imobilizado em cima do balcão do bar. Nisso, aparece na porta do recinto, Jerry Lee. Transmitindo aparentemente um semblante inofensivo e fugaz, sentado de forma passiva de frente à porta, o cão é enxotado pelo líder dos bandidos. A cena inteira é uma clara referência aos filmes policiais em que o tira durão sempre aparece de surpresa depois de pegarem seu parceiro mais burocrata. É como imaginar o próprio James Belushi em Inferno Vermelho sendo intimidado, até que surgisse em cena Ivan Danko, interpretado pelo imponente e temido Arnold Schwarzenegger. Só que aqui, transformemos o velho Arnold na figura inusitada de um pastor alemão, que consegue pegar com a boca, uma bola de sinuca arremessada violentamente contra ele. E parti-la ao meio, com uma naturalidade de quem diz: “Eu posso fazer o mesmo com você”. O velho estilo good cop e bad cop estava desde então, apresentado subliminarmente pro espectador depois dessa cena.

Mas, lembremos que ainda é um filme de comédia. K-9 (sigla que significa a palavra CANINO, na pronúncia do inglês “Key” + “Nine”) tem como personagem central, James Belushi. E seria evidente que o roteiro não ia deixar passar momentos de humor e gags divertidíssimas que abrilhantasse o astro. A sequência na praia, onde ele se finge de cego, para que Jerry Lee permanecesse ao seu lado, é impagável. Mas nada que supere o momento em que ele apresenta à Tracy, sua namorada, o novo parceiro canino. A narrativa brinca de forma muito inteligente a construção do ciúme e da rivalidade entre os dois. Ambos “disputam” a atenção da mulher. Para Dooley, Tracy é sua namorada. Para Jerry, a fêmea é sua dona. Logo, o embate entre os dois, desemboca surpreendentemente com Dooley chamando Jerry para uma conversa entre machos: “Olha aqui, ela é minha... e você não vai tomar o meu espaço. A situação é simples, e pode ser bem tribal. Ou você respeita isso, ou vamos ter um problema!”. Não tem como evitar o riso nessas provocações e rixismos concebidos entre os dois no apartamento de Tracy, com direito a trancafiadas em terraços, armários, e até numa briga corporal no chão da cozinha – alguém lembra da mesma “conversa entre homens” no beco, protagonizado por Nick Nolte e Eddie Murphy, em “48hrs”? Mas, Jerry Lee tem sua recompensa quando encontra uma cadelinha branca de focinho depilado, numa das passagens mais legais do filme, ao som de “Oh, Yeah”, da banda Hello, e “I Feel Good”, de James Brown. Essa sequência, que dá início ao terceiro e último ato do filme, apenas entrelaça de forma veemente, o quanto os dois já estão se tornando bons amigos.

O filme se esvai numa narrativa simples e envolvente. O traficante Lyman (Kevin Tighe) quer realizar um milionário carregamento de drogas transportadas no interior de carros, e Michael Dooley que o persegue há dois anos, quer acabar com isso. O fator de tira comum está em todo instante impregnado no personagem de Belushi. O ator fornece ao personagem todos os elementos gaiatos e de quase perdedor que o tira possui. A começar que Dooley tem um joguinho eletrônico (uma espécie de míni-game) que ele nunca consegue ganhar, e o aparelho ainda emite uma sonora e irritante gargalhada quando ele perde. Os monólogos retóricos do personagem, são uma espécie de conversa com ele mesmo, sobre seus erros, suas falhas e de seus fracassos. A entrada do cão em sua vida, por mais rejeitada pessoalmente que fosse, lá no começo, chega para modifica-lo. Dooley é um sujeito de bom coração, mas que visivelmente, não tinha tantos relacionamentos de sucesso. Seus amigos o sacaneiam, seu chefe o detesta e sua namorada admite que o ama, mas que sua vida profissional sempre a colocará em segundo plano, de uma forma ou de outra. Jerry Lee transforma isso, aos poucos! Já no final do filme, quando Dooley sabe que sua namorada foi sequestrada, ele tem uma bonita “conversa” com Jerry, sobre como conheceu Tracy. No interior do seu carro, Dooley reforça o sentimento de que precisava de um amigo, de um ouvinte, de quem mesmo sem entender o que ele fala, pudesse estar ao seu lado olhando pra ele. E seu parceiro canino estava ali... no banco ao lado, como um verdadeiro amigo ouvindo o seu desabafo. E é ainda mais edificante ver como a direção de Daniel faz com que o cão olhe Belushi nos olhos, virando a cara toda hora em que Dooley olha pra ele.

O final assume um tom bem mais sério, quando Michael Dooley e Jerry Lee, vão atrás de Lyman para resgatar Tracy. O diretor Rod Daniel destaca ainda mais o heroísmo do cão, quando o mostra duas vezes em câmera lenta, correndo atrás do caminhão até pegar o motorista, e depois, quando o cachorro persegue o grande vilão, antes de ser baleado pelo mesmo. Nessa hora, não há como não se comover com a grande atuação de James Belushi. Tido para alguns como somente um comediante, o ator consegue transmitir uma visceralidade  emocionante ao ver Jerry Lee ser atingido... o grito que ele dá junto aos tiros que revida em Lyman até a retirada do corpo de Jerry do deserto, é a certeza pro espectador que, entre atritos e conflitos, Dooley reconheceu naquele cachorro tão genioso quanto ele, que nunca teve um parceiro e um amigo mais importante!

A cena do hospital, com uma das montagens mais bem conduzidas num filme do tipo, mostra Jerry Lee numa ala de recuperação com Dooley acreditando que ele estava morto, e por isso, revelando todo o sentimento e carinho que ele tinha para com o cão. Mas, Jerry, já de olhos abertos, finge-se de morto toda vez que Dooley se volta para ele. Mesmo com um sorriso estampado no rosto, não há como o espectador não testemunhar uma grande interpretação de James Belushi (uma das melhores de sua carreira). E, talvez, uma de suas mais passionais. É de fácil emoção quando ele, no hospital, tenta se convencer diante de Tracy, que o cachorro era treinado pra isso, que Jerry Lee era treinado pra levar um tiro. Quando Tracy o abraça, Belushi humanamente desmorona dizendo sob um sincero choro: “Meu Deus, foi muito sangue... ele perdeu muito sangue!”.

E mesmo com uma última visão impagável dentro do Mustang em direção à Las Vegas, fica a prova pro espectador, que K-9 não se trata de um filme dispensável em uma sessão vespertina. Trata-se de uma obra, que mesmo descompromissada, se tornou a melhor representação do melhor Buddy Dog Cop já feito.


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