sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Fome Animal (Peter Jackson, 1992)



Subgênero do terror e malogrado aos olhos dos mais pomposos cinéfilos, o trash sempre foi encarado como produções legitimamente pobres, de custo mínimo e atuações risíveis. Para um campo cinematográfico já considerado com esse tal desprezo, um diretor que se aventure por essa seara, não precisaria de muito esforço tendo um roteiro que destacasse sangue, vísceras, mortes explícitas, desmembramentos e qualquer outro artifício que expelisse triunfante o “gore”; elemento exacerbado de violência e/ou nojeira que se tornou uma característica típica dos mais básicos filmes trashes. Os anos 80, inclusive, recheou seu filão de muitos exemplares do tipo. 

Mas foi, ironicamente, no início dos anos 90, que um produto com todos os enfeites necessários do estilo, alcançou com uma maestria até então inesperada por muitos amantes desse subgênero – já que não se produzia mais o trash em grande escala – o panteão dos mais célebres, surpreendentes e marcantes filmes dessa roda: “Fome Animal”, dirigido por um ainda novato Peter Jackson, exalando criatividade por todos os poros.


Com um roteiro mirabolante, e por vezes surral, tirado de uma história criada por Stephen Sinclair, Jackson com mais um colaborador, conceberam uma trama absurdamente fantástica e inquietante dentro de todos os elementos pitorescos que vão inserindo: de uma espécie rara de macaco encontrado numa ilha obscura, até uma monstruosa mãe (em todos os sentidos!) que quer eliminar uma latina chamada Paquita. Misture a esse universo grotesco, ótimas e inesperadas doses de humor, e podemos ter então, uma obra que não só é um frescor nesse subgênero, como se torna potencialmente um dos mais deliciosos terrir!


A história se passa nos anos 60 e acompanha Lionel, um tímido e sofrido rapaz dominado por sua mãe (cabe aí, sutis homenagens ao clássico “Psicose”, uma vez que até mesmo a residência onde moram, remete à sinistra casa da colina, do filme de Hitchcock) e que acaba se deparando com os terríveis acontecimentos trazidos pelo estranho macaco-rato de Sumatra. Curioso é que em nenhum momento o filme tenta “cientificar” as mordidas desse animal que faz com que pessoas se tornem zumbis, deixando para o espectador acreditar que seja alguma espécie de vírus, ou alguma coisa amaldiçoada na criatura ou que até mesmo, esse bizarro ser, seja uma cria do inferno.  O roteiro, aliás, não perde tempo com nada e chega a apresentar personagens divertidamente curiosos que, se brilham em alguma sequência (como a mãe se despedaçando na mesa do jantar ou o padre lutando karatê no cemitério), logo já estão devidamente postos como mortos-vivos tentando ser contidos pelo protagonista Lionel.


A direção é um acerto que se destaca ainda mais nos momentos mais surtados. Em determinada cena, uma frase como “Sua mãe comeu o meu cachorro!” seria apenas tola, mas aqui, reverbera o tom insanamente cômico que está embutido em todo o filme. A narrativa parece pontuar todas as sequências delirantes do terror explícito numa mescla genial do mais esperto humor gráfico. É como estar diante de um prato de comida que abominamos, mas que ainda assim, nos parece deliciosamente saboroso. Já que é impossível ficarmos indiferentes a um bebê medonho que apronta peripécias num parquinho de praça – tornando o momento mais “Jerry Lewis” do desesperado Lionel -, ou a cena em que a mãe dominadora, o padre carateca, a enfermeira grávida e um punk rebelde, tentam comer das maneiras mais inusitadas possíveis amarrados em uma mesa. E claro, sem esquecer um intestino(!) raivoso que tenta a todo momento, enforcar o hercúleo Lionel. 


O clímax do filme, inclusive, acontece todo dentro da residência do protagonista, e é verdadeiramente um show de sangreira para se aplaudir de pé. Exatamente porque a direção consegue a façanha de tornar tudo que poderia ser apenas gratuito e de mal gosto, em gags fenomenais e altamente inventivas, como a mulher que fica presa na lâmpada – e se ilumina! -, o bebê que vive fugindo a irritando o tio Les (esse, por sinal, um humano tão asqueroso quanto qualquer zumbi putrefato), uma mão que atravessa a boca de uma das vítimas para tentar enforcar a vítima da frente, e óbvio, o cortador de grama, que se torna uma das melhores armas na mão do herói. Tudo isso, dentro de uma engenhosidade prática do cenário e das composições de cenas, que surpreende o espectador por tamanho domínio. 


E, se achávamos que o final do filme exibiria apenas esse sangrento e divertido clímax, eis que surge a maior de todas as monstruosidades apresentadas até então: a mãe de Lionel, transformada numa criatura gigante que alcançou proporções anabolizadas devido a um produto químico ingerida em seu corpo. A criatura acaba se alastrando pelos telhados da casa atrás de Paquita Maria Sanches, a latina que Lionel é apaixonado. E numa clara alusão à mãe que quer controlar o filho até o último dia de sua vida – ou até o último dia de sua morte! -, testemunhamos um corpo deformadamente desnudo abrir a barriga para aprisionar eternamente o seu filho Lionel, como se tentasse a todo custo, levar de volta ao útero, o rebento que ela jamais quisesse em vida. E isso faz todo o sentido, quando descobrimos a verdade sobre o passado que traumatizou e deixou tolhido o subjugado Lionel.


E é incrível que depois da fama e de todo o glamour que conquistou anos depois, Peter Jackson não tenha exibido mais essa mesma criatividade que o fez ser respeitado e admirado justamente num mundo, onde a fama e o glamour era propositalmente nulo: o trash. E fica aqui talvez, a comprovação de que uma obra-prima pode vir de qualquer gênero ou subgênero.

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