quinta-feira, 5 de janeiro de 2017


Desejo de matar 3 (Michael Winner, 1985)


Apesar de ter um eficiente quarto filme, a franquia Desejo de Matar poderia ter sido encerrada perfeitamente numa ótima e fechada trilogia. E, curiosamente, o cineasta Michael Winner – o “dono” da trilogia – conseguiu fazer, junto com o mitológico Charles Bronson, três filmes com tons diferentes entre eles. Uma habilidade atípica dentro de um mesmo universo utilizando-se do mesmo personagem central. E se isso pode parecer um demérito para alguns espectadores, eu acredito que é exatamente nesse ponto diferenciado entre os três filmes, que reside a força na jornada do personagem Paul Kersey. 

 Em 1974, sob os alicerces já em construção de uma nova concretude fílmica que abrangia muito mais a crueza, a violência suja e a atmosfera sombria das obras policiais, Michael Winner montou seu primeiro Desejo de Matar seguindo toda aquela cartilha que cineastas famosos como Don Siegel, Willian Friedkin e John Frankenheimer lograram êxito; basta ver “Perseguidor Implacável” (1971), “Operação França” (1971) e “Até o Último Disparo” (1974), respectivamente desses três supracitados diretores, para entender a massa corrida de severidade e secura com que suas narrativas eram moldadas. Winner, como um diretor dessa mesma escola, não iria ficar de fora de realizar aquele que seria depois de algum tempo, visto com pompa entre os críticos mais elitistas... seu primeiro Desejo de Matar oferece exatamente o clima e a narrativa que percorre essa mesma sobriedade dramática e reflexiva de um anti-herói atormentado. 

Já no início dos anos 80, especificamente em 1981, Michael Winner volta a trazer Charles Bronson na pele do icônico arquiteto Paul Kersey, mas agora, imbuído de muito mais argamassa de teor agressivo e menos psicológico, embora ainda tendo uns rápidos momentos de dramaticidade implícita para com a psiquê de seu personagem principal. Vale ressaltar que Desejo de Matar 2 consegue essa proeza: de juntar o drama psicológico do primeiro filme com uma encorpada mais violenta da década que se segue. O que, particularmente, acho o filme mais completo da franquia em termos de elementos que enriqueceria o seu protagonista. Ele agora veste a carapuça de vigilante sem a menor cerimônia, ainda que perambule pelas sombras dos becos sabendo de sua condição marginal. 

E, quatro anos depois em 1985, chegamos ao adrenalínico Desejo de Matar 3. Certamente, o mais pop e violento filme da franquia! Afinal, os anos 80 mexeria com toda a estrutura de ação vindo dos american heroes explosivos de George Cosmatos e Mark Lester, e o veterano Michael Winner precisaria mostrar que também sabe se encaixar dentro desse pedestal. O que, portanto, fez com que os fãs do velho arquiteto Paul Kersey, o encarasse como uma espécie de Rambo urbano e, com sua devida idade, um matador impiedoso e experiente por seus cabelos grisalhos.Vale ressaltar também, que a essa altura, Charles Bronson já era solidamente, um nome forte no panteão dos casca-grossas de poucas palavras. Ironicamente, o ator que vinha de atuações mais consistentes nos anos 70, se resumiu dentro de um escopo mais comercial aceitando a alforria de um american old hero. E convenhamos: com suas expressões fortemente sisudas e de presença ainda intimidativa, Bronson caiu muito bem nesse estereótipo! 

Dentro de sua terceira aventura, Kersey está em viagem à Nova Iorque para visitar um amigo. O dinamismo narrativo já é tão rápido, que Winner não perde tempo em intercalar a chegada de Kersey à cidade, com cenas em que mostra o referido amigo de Paul sendo brutalmente espancado. Enquanto vemos Kersey chegar de ônibus, sempre acompanhado por uma trilha incisiva e marcante (lembrando também que a música incidental é de ninguém menos que Jimmy Page!), os cortes abruptos mostram seu amigo levando uma cruel surra dentro de seu próprio apartamento. E aí, entra um detalhe intrigante: Winner nos apresenta de cara, o “Risadinha”, o membro mais sacana e sarcástico da gangue que assolará a trama até o final. Numa tomada mais aberta, antes dos bandidos invadirem o apartamento de Charlie, Risadinha entra em close e rapidamente é ele também que ordena e comanda os outros dois invasores. Reforço aqui a aparição desse personagem, porque acredito que, ele demarca a linha rompida e a reviravolta que sucederá no segundo ato do filme. 

O problema em toda essa nova “missão” que Paul Kersey entrará, é que agora não se trata de um vigilantismo escondido da polícia... muito pelo contrário! Kersey, depois de chegar no apartamento de seu amigo Charlie, é imediatamente preso acusado de ter o matado; confusão essa que é logo desfeita com a entrada do personagem de Ed Lauter, o oficial Richard Striker. O delegado Striker logo reconhece Paul como o vigilante matador dos dois anteriores filmes, e mesmo Kersey dizendo que não realiza mais seu vigilantismo, Striker quer seus serviços e explica que o soltará com a condição dele acabar com a gangue que infesta esse bairro incontrolável de Nova Iorque. Fica claro a incompetência do próprio departamento policial, que Striker algumas vezes, critica em alto e bom som. Como já dito, a velocidade no roteiro em apresentar todos os personagens assim que a trama começa, é visto claramente no momento em que Kersey está na cela aprisionado. É justamente lá, que ele conhece o líder da gangue que ele precisará abater. E, de cara, outro elemento veloz da trama, é que o líder já se estranha de forma gratuita exatamente com Paul Kersey. Não há motivos. Não há razão. Apenas implicância mesmo. E, claro, isso é pra agilizar a torcida do espectador em esperarmos ansiosos pra ver Kersey acabar com o bandidão. 

Outro ponto interessante e bem funcional dentro do desenvolvimento do protagonista, é que pela primeira vez, vemos Paul Kersey utilizando-se de seus conhecimentos arquitetônicos (afinal, é a sua profissão!) para criar armadilhas contra os bandidos da gangue. A madeira colocada presa à janela que se solta atingindo a boca de um dos marginais, é impagável... ainda mais quando um dos vizinhos pergunta o que tinha ficado cravado no prego, no que Kersey responde com um sorriso pacífico: “Dentes”. Aliás, fica aqui uma crítica até interessante dentro da geografia do bairro e de seus habitantes. Em uma das conversas com Bennett (um amigo em comum do falecido Charlie), Kersey descobre que o bairro hoje infestado pela criminalidade nem sempre foi assim, e que antes, se podia morar com tranquilidade... o que descortina para o espectador, a mudança de gerações onde ali, predominantemente, apenas ficaram os moradores mais velhos. Não à toa, no prédio onde Kersey se instala, só moram idosos em vários apartamentos. Com exceção do casal de latinos que acabara de se mudar, e que sadicamente, serão escarniados e perseguidos pelos vilões. Culminando, inclusive, numa das sequências mais agressivas do filme, que é o estupro e o assassinato de Maria. À partir daí, o desejo de matar se instala coletivamente nos habitantes do local contra a gangue liderada por Fraker (o chefão). Em determinado momento, todos os vizinhos perguntam à Kersey quando o tal amigo Wilder chegará na cidade... a crença deles é que Will –intimamente chamado assim por Kersey -, possa dar algum jeito naquela calamitosa situação. Para logo em seguida, em uma cena onde Kersey vai até à uma caixa de correios alugada, o espectador finalmente conhecer o tão esperado “amigo”: uma pistola automática 465, com cartuchos de rifle. “Isso aqui, dá um belo estrago!”, diz Kersey engatilhando o trabuco no meio da sala cercada pelos vizinhos idosos. Aliás, taí uma curiosidade interessante: Michael Winner e Bronson, já em seus altos anos de idade, parecem querer mostrar uma leve competição contra os bombados heróis de ação dos anos 80 que transbordavam jovialidade e testosterona; todas as cenas de retaliação e revide da população contra os criminosos da gangue, são feitas à partir dos moradores idosos! São, literalmente, velhos e velhas se revoltando contra toda aquela praga de jovens rebeldes, que ali se impregnaram. 

Por falar na população idosa, a maior forçada do roteiro, talvez, perambule no romance meio caído de paraquedas entre Kersey e a promotora pública Kathryn Davis, feita por Deborah Raffin. Nitidamente mais jovem que o protagonista, a promotora se interessa por Paul mais rápido que uma criança desejando um algodão doce. Mas em um específico encontro entre os dois, no apartamento da moça, há uma conversa instigante quando ela levanta a hipótese de que todo mundo uma vez na vida vai querer se revoltar contra o mau... e que as pessoas deveriam reagir para mudar uma situação opressora e violenta. Claro que ela fala do que todos naquele bairro infernal estão passando, e é claro que Kersey nesse momento, sabe o que pode ser feito, mas na necessidade de proteger o seu alter-ego, ele apenas tenta passar um ar de compreensão gentil. Kathryn deixa claro também que quer sair de Nova Iorque e ir para uma cidade mais pacata, e até convida o arquiteto justiceiro, o que, obviamente, não acontece porque ela é morta por Fraker, em resposta ao que havia acontecido com Risadinha... o membro mais querido e risonho do grupo. O que chego no ponto motivador da guerra entre os moradores e os bandidos da gangue: Risadinha! Em uma pergunta de Kersey para Bennett, ele questiona quem era Risadinha, e Bennett responde que ele se chamava assim porque toda vez que assaltava alguém, ele soltava uma risada. Praticamente, era “o coringa” da gangue! E com um semblante chicano, Risadinha era tão nojento quanto veloz, já que ninguém conseguia alcança-lo depois dele roubar alguém. A não ser, “Wilder”, a pistola que Kersey havia encomendado. Com apenas um tiro daquele canhão de mão, Wilder abriria uma caverna em qualquer peito bandido. E Risadinha foi o premiado. Numa noite em que Kersey se usa como isca, indo até uma lanchonete, comprando um picolé e rodando uma máquina fotográfica da Nikkon como se fosse uma bolsinha de puta, o arquiteto vingador caminha vagarosamente esperando a investida do membro mais querido da gangue... Risadinha cai na cilada como um pato, correndo em direção á Kersey e o tomando a máquina fotográfica. O justiceiro sem pensar duas vezes, saca Wilder, mira em Risadinha e esburaca seu tórax como papel. O “coice” do tiro é tão devastador, que Risadinha é arremessado há alguns metros pelo chão. O mais gratificante, acontece segundos depois, quando moradores de um prédio avistam o acontecimento e vibram mais do que torcedores num estádio de futebol, aplaudindo e ovacionando em suas janelas... uma ode de reprovação a tudo o que Risadinha e sua gangue representavam! Na chegada da polícia e do delegado Richard Striker, uma dona inclusive, desabafa perante o corpo do meliante Risadinha: “Esse foi o bandido que me assaltou na semana passada, ele roubava todo mundo aqui... e agora vai queimar no inferno! Bem feito!!!” Daí em diante, o bairro se transforma num campo de guerra. Justamente porque a morte daquele membro deixou todos da gangue de Freaker inconformados: “Mataram o Risadinha, cara... eles mataram ele!!!”. Um grito choroso e revoltado de quem sabe que pegou um adversário à altura! 

A intensidade do que vem depois, é uma horda de motoqueiros com correntes, coquetéis molotovs, e metralhadoras prontos para Michael Winner ir à forra e mostrar toda a sua insaciável vontade de botar pra fuder. As cenas finais são de uma euforia juvenil do velho Winner, que prova que poderia competir com os produtos de ação testosterônicos dos anos 80. Como por exemplo, uma bazuca pulverizar o vilão final. 

Desejo de Matar 3 é um dos filmes mais emblemáticos de Charles Bronson junto de Winner, e mesmo sendo o mais desvairado dentro da franquia em matéria de ação, o fã do personagem – e, principalmente, de Bronson! – jamais esquecerá da narrativa frenética e adrenalínica que a produção de Golan-Globus criou. O quarto filme, retomou o personagem a um cenário mais noturno onde ele começou seu vigilantismo, deixando ainda mais esse terceiro filme, como uma cereja especial de um bolo completamente diferente para os seguidores da franquia. E a frase “Eles mataram o Risadinha”, jamais foi esquecida por esses mesmos espectadores!

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