A Virgem e o Fotógrafo (Carlo Mossy, 1991)
Na virada dos anos 70 para os 80, muito impulsionada pelo
processo de abertura política que só viria a se realizar plenamente quase uma
década mais tarde, a produção musical do país enfatizava um modus vivendi hedonista que tinha na
representação do espaço praieiro um dos seus emblemas mais reverenciados. As
apologias pendulavam entre praia, sexo, corpos bonitos, amores de verão, etc.
Mas diferentemente do cancioneiro da época, o cinema ainda carregava sombras
que o relegavam a um certo estatuto de marginalidade, cenário que só se
modificaria com obras como “Menino do Rio” (1981), filme que demarcaria na
esfera visual aquele mesmo pendor solar pautado pela música já há uns três
anos.
No entanto, a produção pornográfica, extremamente anacrônica
diante dessa mudança de paradigmas, mantinha sua aura de isolacionismo
sorumbático atrelado a narrativas pautadas na deformidade. Filmes como
“Alucinações sexuais de um macaco”, “Hospital dos prazeres”, “ A galinha do
rabo de ouro”, “Bacanal adolescente”, “Seduzida por um cavalo”, “O estuprador
infernal”, etc., representavam para o cinema aquilo que Augusto dos Anjos um
dia conceituou poeticamente sobre o Homem daquela virada de século (XIX-XX) em
seu “O lázaro da pátria”: “ Filho podre de antigos Goitacazes/ onde quer que a
cabeça ponha/ deixa rastros e circunferências de peçonha/ marcas de úlceras e
antrazes”. Nada mais próximo daquele panorama de figuras anômalas repletas de
desejos bizarros, ou participantes de situações que ultrapassavam o ridículo em
sua desfiguração: sexo com galinhas, cavalos ou macacos, idosos trepando,
crianças se masturbando, enfermeiras dedando pacientes – para o gozo desses –,
homens sem pau, estupros, incesto, etc. A concepção do sexo como prática
compatível com a postura higienizadora, pop e solar dos anos 80 estava longe da
proposta dessas produções, ainda submetidas a uma (inconsciente) prerrogativa
de escuridão marginal da década anterior. Não havia saúde nem jovialidade no
sexo exposto nesses filmes. O ser humano ali se assemelhava a uma tintura
expressionista que, de tão deformada, eclipsava qualquer lampejo de salubridade
psíquica, tanto de seus personagens quanto de seu público alvo (inevitavelmente
associado a cachaceiros, doentes, vagabundos e gente muito, muito feia). Isso
já em meados dos saudáveis anos 80. Tardiamente, no início da década seguinte,
esse panorama mudaria.
“A virgem e o fotógrafo” narra as aventuras sexuais de um
fotógrafo (o prolífico ator pornô Rony Ramos, único remanescente do elenco a
emanar aquela obsoleta aura de galã setentista, à moda Mário Gomes) que convida
três modelos para uma orgia em um apartamento de frente à praia. Uma delas,
ainda virgem, será devidamente “introduzida” naquele ambiente por uma de suas
colegas, uma jovem morena com marca de biquíni que é o antípoda das atrizes pornôs
setentistas/ oitentistas. Sua buceta é lisa, diferentemente das de suas
antecessoras, carregadas em pentelhos que ecoavam a epistemologia hippie, sem a
necessária e padronizada semântica da higiene e da saúde que os anos 80 tanto
louvaram em suas músicas e séries de tevê (lembremos da canção “Saúde”, de Rita
Lee, do seriado “Armação Ilimitada”, dos vídeos da Jane Fonda, etc.). Seus
seios tem a firmeza de alguém que malha e não bebe, e suas marquinhas de
biquíni pressupõem um cotidiano praieiro. O diálogo entre ambas seguido da inevitável
cena de lesbianismo é de um realismo até então poucas vezes filmado.
Nitidamente as duas atrizes transam, sem aquela inconveniente plasticidade
amadora de outrora – coisas como trilha pianística à la Richard Clayderman,
closes demorados nos rostos, planos
unidimensionais, etc – interferindo na fruição da cena. O tesão irradiado pelas
duas é de uma veracidade tal, que em um momento, a virgem chega a dar um
pequeno grito de dor diante da voracidade do sexo oral feito por sua amiga – ao
que esta imediatamente se desculpa aos beijos.
Infelizmente não se pode dizer o mesmo da compleição de
Rony. O corpo excessivamente cabeludo, a cara de bom moço de novela das seis e
o pau pequeno não agregam novidade alguma a uma obra que se quer jovem, viril,
carregada de testosterona. Em 1979, não faria feio em alguma pornochanchada de
fundo de quintal. É até discrepante vê-lo contracenando com uma loiraça de
cabelo curto – essa sim, uniforme com a proposta de remodelagem do filme -, quase
como num conflito de épocas se enredando.
As cenas de sexo protagonizadas por Rony na sacada de um prédio
são esteticamente remanescentes da síndrome de videoclipagem mtvesca que
assolou todos os formatos do audiovisual naquele começo de década. Mas, a
despeito de soarem genéricas, atualizam a linguagem do pornô a um modelo mais
compatível com os propósitos do espectador, que certamente não ia ao cinema
(antes que o formato migrasse definitivamente para o mercado de home) para ver
uma galinha sendo estuprada. A decupagem modernosa dessas cenas mantém um
diálogo irresistível com as canções “It’s only love”, do Simply Red e “Voyage
Voyage”, do Desireless, que transpassam a obra com aquele tardio vigor
oitentista que tanta falta fazia ao gênero. O tesão dessa vez é emanado por
todas as arestas, sem interferências de incongruências que mais solapavam o
ânimo do espectador do que o instigavam.
Contraditoriamente, o diretor Carlo Mossy (pseudônimo de
Giselle H.) possuía uma vasta experiência na seara da pornochanchada, gênero
que pavimentou o caminho para chegada do pornô sombrio realizado entre 70 e 80
e tantos. “A virgem e o fotógrafo” traça um caminho completamente adverso,
coerente com a via hedonista sobre a qual o mundo oitentista transitava. Seu legado
pode ser observado hoje em dia tanto nas mega-produções da Butt Sellers,
repleta de mulheres praieiras, raspadas e rabudas, quanto nos amadores
produzidos por casais à beira mar, ao som de David Guetta.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaraca, muito bom achar teu blog e conseguir lembrar o nome desse filme. "A Virgem e o Fotografo" foi o primeiro pornô que vi quando era quase adolescente, tinha 11 anos. Hoje com 26 foi bom lembrar dessa época em que descobri a primeira punheta. (Ôh época boa! kkkkkkk)
ResponderExcluirSaberia dizer por onde andam os atores deste filme? Procurei por outros filmes deles e não encontrei...
Valeu, abraço!
meu professor eh um gênio não tem jeito... que homem.
ResponderExcluirExcelente texto,realmente o galã Rony Ramos destoa do resto do elenco. O nome artístico é um provável trocadilho infame com "Tony Ramos" talvez pelo fato de ambos serem peludos... Apenas uma humilde correção: Carlo Mossy não é pseudônimo de Giselle H e sim o contrário. Vi uma entrevista do Carlo há poucos anos em que ele contava da criação do pseudônimo feminimo quando migrou para o videotape alegando questões comerciais, gerar curiosidade sobre quem seria a fictícia diretora Giselle etc. Curiosamente ele fez uma pequena participação em uma novela das 7 na Globo há alguns anos (A Lua me Disse, de Miguel Falabella) chegando a contracenar com a Arlete Sales.
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